Quem convive comigo sabe que eu pouco vejo algumas coisas. Também não tenho apego a datas e não me obrigo a celebrar ou a chorar ocasiões especiais. Grande parte do que é considerado socialmente importante, pode ser chocantemente desimportante para mim.
Um acontecimento significativo, entretanto (e rapidamente), transformou-se em ponto de referência absoluto – como se fosse o único parâmetro temporal que, hoje, meu cérebro compreende.
Foi quase um mês após o falecimento dela que eu senti o primeiro ar gelado do ano inundar os meus pulmões.
Ela ainda estava viva quando as flores da babosa despontaram, mas foi poucos dias após a sua passagem que os botões se vestiram de laranja e passaram a ser visitados por vespas. Inclusive a babosa que ela havia podado e estava sendo honrosa e silenciosamente mantida no mesmo lugar (como um santuário) floriu.
As folhas da cerejeira começaram a morrer junto com ela e algumas, ainda, resistem.
A mirra estaria florida agora, não tivesse sido ceifada. Mas, assim como guardo o perfume da mirra em flor nos meus sentidos, assim também o seu permeia a minha vida.
O sol deixou de tocar o chão da horta. Isso aconteceu duas semanas depois que ela se foi. Assim como as plantas mais baixas, eu também perdi contato com o calor que sempre reputei indispensável.
Para mim o inverno chegou mais cedo e, assim como as plantas, preciso encontrar dentro de mim as reservas de vida que me sustentarão até a primavera, quando espero, também, poder vicejar.
Ainda ouço a sua voz e sinto as suas mãos nos meus cabelos. Kanarô, dizem os índios: eu sinto a sua presença (e não a sua falta).
Caminho devagar, nutrindo-me de grandes amores e longos abraços. Ainda mais que antes, sei que cada minuto de conexão é santificado e revestido de preciosidade.
Escrevo, não por dor. Mas para que, de onde estiver, ela compreenda e sinta e absorva o grande significado da sua existência: uma verdadeira referência.
Bay, um verbo.
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