sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Criança não é bonsai



Minha mãe costuma dizer que eu fui o pior menino da casa. E olha que a família é grande.

Eu nunca fui uma criança ruim ou maldosa. Eu era apenas agitada. A quantidade de energia que eu recebia e irradiava era muito maior que eu.

Por segurança, eu fui muito podada. O mundo era perigoso demais. As pessoas não eram confiáveis.

Quando eu engravidei da Maria Júlia, eu já estava ciente de que a comunicação entre a mãe e o feto acontecia por diversos meios. Então, eu conversava com ela e passava o dia acariciando a barriga.

Ela nasceu. Ainda que todos a tratassem como um bebê, eu jamais o fiz. Eu sabia da grandiosidade daquela alma e eu a respeitava profundamente. Então, eu continuei a conversar com ela e a explicar tudo que estava acontecendo, tudo o que iríamos fazer.

Com o Felipe foi a mesma coisa.

Eu nunca usei de subterfúgios para fazê-los obedecer. Eu nunca os disse que ser obediente era requisito de bondade. Eu nunca coloquei em dúvida o merecimento, nunca os fiz duvidar da sua perfeição.

Então, aqui em casa, quem morre não vira estrelinha. Não é o Papai Noel que traz os presentes SE eles forem obedientes. Também não é o coelhinho que traz os ovos do tamanho do seu merecimento.

Somos eu e o papai - e conforme a nossa capacidade financeira no momento.

Jamais reputamos irrelevantes as suas dores, sejam elas quais forem - pois é exatamente isso que elas estão sentindo.

Jamais fazemos pouco caso das suas birras - pois estão apenas expressando a sua frustração.

Apenas oferecemos a elas o nosso tempo, o nosso colo e explicamos os motivos que nos levam ao "não". Quando é necessário um pouco mais de energia, o castigo é a redução da sua liberdade - o que é um combinado que eles já conhecem.

Tudo gira em torno de causa e consequência, de plantar o que deseja colher.

Nem sempre temos toda a paciência do mundo. Há dias em que estamos exauridos e explosivos, o que também é verbalizado, para que eles saibam e entendam que eles não são o nosso problema: hoje não estou em um dia bom, estou exausta e sem paciência.

Eu sempre tive esse cuidado. Com os meus filhos e com todas as crianças.

Eu jamais subestimei a capacidade de compreensão delas. Quem não as entendem somos nós.

O olhar da criança, a sua dependência, a sua impossibilidade de dar conta da própria vida, o fato de que o mundo que elas conhecerão partirá do nosso olhar; isso nos chama à responsabilidade. Isso me chama à responsabilidade.

É como se, ao fazer isso, eu estivesse acolhendo a mim mesma.

É um grito silencioso de liberdade: eu posso ser eu mesma e não há nada de errado com isso!

É dar colo ao meu próprio ser, que, agora, depende só de mim.

A minha criança, tantas e tantas vidas limitada, moldada, violentada, abandonada; acompanhou-me abraçada com todas as minhas dores, escondendo-as de mim mesma, para que eu, adulta, pudesse caminhar até aqui.

Forte na confiança em mim depositada pela minha criança, eu dou passagem à minha essência e, assim, dou permissão para que a essência de todos à minha volta se manifeste.

Apesar de pensarmos que crianças são bonsais, que podemos moldá-las e escolher para onde devem se direcionar, eu garanto que elas não são.

Suas raízes são profundas e cada uma crescerá à sua própria maneira, linda na liberdade de expressar as alegrias e as dores que carrega.

Cabe a nós ensiná-las a compreender os seus sentimentos, ensiná-las a usar as palavras e a verbalizar a sua raiva, ensiná-las que é seguro ser elas mesmas.

De joelhos, em reverência, eu as olharei os olhos.

Minhas grandes professoras de vida.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Ah, o Magnetismo...




Há um ano eu estive presente em um encontro com o querido Diogo Beltrame.


Falávamos sobre as relações e ele - com muita simplicidade e propriedade - disse: o magnetismo é a força mais poderosa que existe. Ele é o que é. Pessoas que vibram na mesma frequência são atraídas, pessoas que vibram em frequências diferentes são repelidas. Ponto. Esse é o fluxo natural.

Nesse momento pensei no meu casamento.

Eu havia enveredado por um caminho de busca muito profundo, enquanto o Fabiano apenas assistia e continuava a sua vida normalmente - vez ou outra me acompanhando em algumas meditações (creio eu que apenas para ver onde eu estava me enfiando e para avaliar o meu grau de insanidade).

Minha vida mudou drasticamente. Meu olhar mudou. Meus hábitos mudaram. Meus gostos mudaram. Meus amigos mudaram (alguns mudaram comigo! <3). Meus interesses mudaram. 

Eu assumi o risco do magnetismo me afastar da materialidade, lugar onde morava o meu amado. Triatleta, administrador, marceneiro, pedreiro, eletricista, mecânico, São Tomé.

Aquele desejo profundo da minha essência era irresistível. Ela sabia para onde queria ir e estava decidida. E ela foi.

Tomou conta da minha autoimagem e das minhas preferências. Antes o espelho insistia em me mostrar os defeitos com caneta grifa-texto, agora mostra que eu sou perfeita como sou (eu amo olhar para o meu rosto quando o meu cabelo está desajeitado). Antes a inteligência e a retórica atraíam a minha admiração, hoje atraída pela simplicidade e pela doçura. Antes passaria horas ouvindo um PHD em direito tributário em uma palestra, hoje adoraria ficar presa no elevador com a velhinha da limpeza.

Tomou conta da advogada, que passou a ver a profissão como meio - não mais como fim, como objetivo de vida. Foi como se a minha consciência, por um décimo de segundo, tivesse um vislumbre da cena maior: leis são fictícias, a gente se veste bonito, escreve difícil e fala enrolado. Teatro. As relações de trabalho e as audiências passaram a ser um momento de verdadeiro contato humano, em que eu me dou 100%, em que eu me coloco como gente, em que eu não mais adapto o discurso.

Tomou conta da esposa, que passou a enxergar o parceiro como o SER que aceitou o desafio de dividir essa existência. Uma opção de alma. O homem que me arrebatou como um príncipe em um cavalo branco e, contra todas as previsões, dedicou contínuos esforços e cuidados nesta relação. Quando ele me abraça, o sentimento de gratidão me consome e eu reverencio aquela alma que torna o meu caminho mais leve, mais doce, mais tranquilo.

Tomou conta da mãe, que quando olha os seus filhos não mais se coloca na posição de leme, nem de âncora. Coloca-se, agora, na posição de porto seguro. Ae que eu me tornei confia plenamente na capacidade de escolha dos filhos e incentiva que a personalidade se desenvolva livremente, mantendo a essência de cada um intacta. Eles sabiam onde estavam nascendo.

Tomou conta da filha, que respeita profundamente as limitações e as opções dos pais, que ama incondicionalmente e honra o dom da vida - mas que se recusa a agir por conta de padrões familiares.

Tomou conta do gosto por música, por comida, por cheiro, por cremes, por roupas. Opto pelo mais confortável, pelo mais natural, pelo mais saudável, pelo mais alegre.

De repente, olhei para o lado, e ele estava ali. Mais leve, mais crente, mais doce. Mais natural, mais dedicado, mais paciente. Mais bonito, mais cheiroso, mais sorridente. Mais atraente, mais seguro, mais consciente.

Nada que a gente diz é tão forte quanto o exemplo. Vendo que as mudanças em mim eram valiosas, ele também respondeu ao chamado da essência - assim como muitas outras pessoas à minha volta.

Isso já estava escrito. Desde o primeiro minuto a nossa vida foi impulsionada por um estímulo interno fortíssimo. Nada que veio de fora nos dissuadiu, nenhuma opinião, nenhuma previsão, nenhum tropeço.

Agora não seria diferente. Santo magnetismo!

Por um mundo de seres conscientes!

Talita Rebello
31.03.2016