sexta-feira, 8 de março de 2024

O elo

 


 

A experiência com o feminino é riquíssima na minha vida.

Desde pequena pude observar diferentes personalidades se desenvolverem ao longo do caminho, todas com algo em comum: a profundidade.

Cada uma e todas entregues a histórias fortes, que exigem nada menos que transcendência, sob pena de colapso.

Não conheci meio termo: ou encaramos o abismo (e frutificamos) ou somos levadas pela poeira do mundo (e nos vitimizamos).

Não diria que as mulheres mergulham, parece-me que são capturadas por águas profundas. Um deixar-se levar, quase como uma resignação à sua natureza.

Testemunhamos milagres.

Guardamos, em nossos ventres, o espaço sagrado por meio do qual o trânsito da vida acontece – não há nada na fisicalidade que possa tocar o divino como o corpo de uma mulher.

Nutrimos e recepcionamos os seres corajosos que vivem a experiência humana.

Ouso afirmar que, quando conectadas à nossa verdadeira natureza, nosso universo interior passa a ser mais real que a vida que acontece diante dos nossos olhos.

Sustentamos a ponte entre o visível e o invisível. Somos o elo.

Celebro, hoje, a incansável força da vida.

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Mais uma flor o vento levou


 

Penso que as nossas crenças são verdadeiramente testadas quando enfrentamos a partida das pessoas que amamos.

A despedida é inevitável, seja qual for a crença com a qual nos afinamos.

De acordo com o que eu acredito – e essa é a premissa da minha opinião – nascemos e renascemos dentro de infinitas combinações (e, sinceramente, o porquê disso ocupa mais o meu pensamento, que a realidade da sua ocorrência).

O que a minha percepção é capaz de alcançar, é a existência de almas que se dedicam ao melhoramento dessa experiência produzindo, para isso, incontáveis enredos.

Percebam que eu mencionei o aprimoramento da experiência – e não a cura de almas perdidas, pecadoras ou coisa que o valha.

Ouvi, esses dias, um rabino trazendo uma breve descrição sobre a reencarnação, sob a sua perspectiva. Dizia ele: “Se você contrata um pedreiro e ele não conclui a obra a contento, você o chamaria para corrigi-la? Por certo chamaria um mais competente. Como sou eu que continuo retornando a essa experiência, deve ter algo muito especial que apenas eu posso realizar – e isso me torna indispensável para o aprimoramento desse lugar no universo”.

Ele prosseguiu dizendo que “enquanto determinadas crenças buscam alçar o ser humano à iluminação, ele acredita que o melhor a se fazer é transformar o pequeno mundo que nos rodeia em um lugar em que Deus possa habitar” – pois, segundo ele, esse foi, desde o início, o desejo do Criador.

Penso que as almas são dotadas de propósitos que as mentes humanas são incapazes de assimilar. Talvez Talita seja apenas uma pequena experiência de uma alma que escolheu mergulhar nessa aventura.

Isso me torna tão desimportante.

Por outro lado, isso me torna tão útil, tão necessária.

A verdade é que passamos a maior parte da vida distraídos com o enredo, sem sermos capazes de perceber a eternidade que permeia tudo o que produzimos (ou que seríamos capazes de produzir) em uma vida – e o tempo para isso é tão curto (!).

Apenas a morte nos aproxima do essencial. Apenas quando assistimos os corpos e as mentes dos nossos amores incapazes de prosseguir nessa aventura, é que voltamos a nossa atenção às perguntas básicas: De onde viemos? Para onde vamos? Qual o objetivo? Voltaremos a nos encontrar (ou reencontrar)?

Todas elas sinalizam algo que, inconscientemente, sabemos: daqui não somos.

Dentre muitíssimas outras possibilidades, aqui estamos e assim somos.

Jamais reviveremos os segundos que já assistimos passar.

Jamais reviveremos os mesmos enredos, com os mesmos personagens.

Por isso a vida é tão preciosa.

Grandes amigos que se encontram, grandes amigos que se despedem sem saber como e quando voltarão a se reencontrar.

Grandes rivalidades que podem se transformar em grandes admirações.

Grandes desconfortos que podem se transformar em grandes saudades.

“Como nos relacionamos com a morte” tem muito a ver com “como nos relacionamos com a vida”.

No momento da despedida sabemos imediatamente o que deixamos de dar e o que não soubemos receber. E, dentre todos os arrependimentos, o amor não oferecido pode ser um fardo bastante pesado a se carregar.

Em regra, apenas no momento da morte é que percebemos o quanto falhamos em aceitar as peculiaridades da pessoa que partiu, o quanto fomos incapazes de enxergá-la e entendê-la.

Uma escolha consciente – apenas uma – é o que nos separa de um “até breve” mais digno.

Eu escolho receber, absorver, experienciar, enxergar, apoiar e amar a todos os que escolheram caminhar ao meu lado.

Eu escolho trocar as lágrimas da despedida, pela capacidade de desfrutar da companhia de cada um dos meus amores, enquanto estiverem presentes.

Em memória de uma alma que foi vista em meio à sua incapacidade de tocar a realidade, que foi apoiada e protegida em sua vulnerabilidade e que, sem arrependimentos, foi entregue ao mundo dos vivos.