sexta-feira, 10 de novembro de 2023

A arruda e o tamanho do nosso mundo

 


 O nosso mundo se limita à nossa capacidade de compreensão.

A arruda me lembrou disso. A cheirosa amarelou. Os ramos rareavam enquanto os entrenós se afastavam e as extremidades se enfeitavam de flores.

Por já ter dedicado muito tempo a observá-la (e fotografá-la: fica linda após uma garoa), eu sabia o que os seus galhos alongados pediam: uma boa poda.

A arruda, quando floresce, entra em ciclo de perecimento. É preciso libertá-la das flores (e privarmo-nos do perfume), para que ela ganhe o direito de experienciar uma nova primavera. Mas, naquele momento, eu me sentia incapaz de fazê-lo. Era preciso esperar que as flores deixassem de ser visitadas pelas abelhas.

Poda feita, em poucos dias o amarelado se foi e pequenos brotos começaram a surgir.

Eu poderia ter simplesmente assumido que a arruda havia sido acometida por um “seca-arruda”. Mas, se eu assumisse que alguém a havia secado, não teria encontrado uma solução para a sua enfermidade.

Entretanto, eu conhecia o seu ritmo, os seus ciclos e fui capaz de identificar as suas necessidades.

Nem sempre – ou quase nunca – a solução de um problema pode ser encontrada buscando um culpado (o que serve, apenas, para afastar de nós a responsabilidade pela nutrição das relações). Clara demonstração de inabilidade.

A maior parte de nós atravessa a vida incapaz de perceber e compreender o seu entorno. Perdemos a curiosidade. Contentamo-nos em conviver com a superficialidade, quando poderíamos entrelaçar firmemente os dedos (uns com os outros) e, com os olhos e lábios da alma, clamar: mostre-me você.

Centrados em nossos dramas - personagens principais de nossa história -, não reconhecemos e não respeitamos o ritmo, os ciclos e as necessidades dos nossos companheiros de jornada.

Quanto a mim, coleciono esses momentos (fotografia autoral).

 

Sobre as formigas

 


Certa vez, sentei-me em frente a um terapeuta e ele começou a sessão dizendo: vou desenhar você. Acho importante dizer que foi a minha primeira vez em um terapeuta.

Desenhou um baita rabisco.

Disse: “Nada se perde no universo, o que você não usa, por algo ou alguém é utilizado. Você é um emaranhado de energia não canalizada. Emana saborosa energia que não está sendo desperdiçada.”

Demorei para entender. Afinal, onde estão os mentores, os anjos, os protetores, enquanto a minha força de vida é tomada por sabe lá o que?

Ninguém espanta formigas pedindo que elas saiam. Espantamos formigas tornando inviável a sua permanência.

Onde não houver alimento disponível, não haverá formigas – por isso, as formigas me lembram de me apropriar do meu espaço pessoal e mantê-lo asseado.

Isso funciona com quase tudo.

Ação. Direcionamento consciente da própria energia. Seleção. Delimitação de espaço. Imposição de respeito. Consistência.

 

Assim ela me ensinou.

 

 


Há alguns dias eu tive um sonho.

A história era representada por uma pessoa que simboliza, para mim, limitação de autonomia em termos de gestão de vida, de capacidade de nutrir relações, de lidar com conflitos.

No sonho, essa pessoa se oferece para me levar até algum lugar e eu me espanto, porque ela sequer dirige.

Ela se sentou ao volante e a minha primeira percepção foi: não é que ela dirige bem?

Mas ela seguiu dirigindo para o lado oposto ao que deveria ter seguido. Ela percebeu a minha contrariedade e apenas sinalizou que eu observasse e aguardasse.

Em dado momento, o caminho que eu teria escolhido e o caminho que ela escolheu se uniram. Apenas contornavam, por lados opostos (quase espelhados), o mesmo obstáculo. Então, à frente, havia um único caminho.

Eu entendi.

Cada pessoa, por mais limitada que nos pareça, deve ter a oportunidade de fazer as próprias escolhas, afinal, todos os caminhos levam a um fluxo único – da constante evolução. Quem sou eu para escolher, pelo outro, o caminho mais adequado? Quem sou eu para afirmar que uma estrada oferecerá melhores aprendizados (ou maior velocidade) que outra? Quem sou eu para afirmar que a paisagem pela qual eu escolhi transitar é a mais bonita?

Assim me ensinou essa pessoa: apenas sou totalmente responsável pelas minhas próprias escolhas, pelo meu plantio, pelos valores que cultivo. 

Eu sou o meu próprio compromisso.