Então, perguntaram-me: você se recorda de quando passou a se sentir verdadeiramente amada?
A pergunta trouxe em si uma afirmação, um reconhecimento de que eu me sinto verdadeiramente amada. Pediu, apenas, que eu reconhecesse essa sensação e tentasse compreender quais fatores foram capazes de mudar a minha perspectiva sobre o amor.
Naquele momento (juro) eu fui capaz de respirar o amor. Em uma pausa - que valeu por uma vida - eu gravei o reconhecimento do amor em todas as minhas células. A segurança, o pertencimento, a confiança, a esperança, a utilidade intrínseca à minha existência.
Nada na minha vida havia mudado drasticamente. Fisicamente, minha vida não causaria surpresa em ninguém com quem não converso há alguns anos. Advogada, esposa, mãe - a correria de sempre.
Contudo, internamente, sinto-me um imenso jardim. Minha vida interior é riquíssima - experiência com a qual eu sequer sonhava e sou incapaz de traduzir.
Tentei recordar o caminho e dias muito difíceis vieram à memória.
Fui esculpida por mudanças de curso, por batalhas invisíveis, por dores silenciosas, por decisões difíceis, por perdas dolorosas. Em meio à dor e ao medo, recordo-me de ter mantido um profundo amor ao processo. Curvei-me incontáveis vezes em reverência à oportunidade de me conhecer um pouco mais.
Recuperei um pedaço de mim a cada não que eu disse ao caminho que me era oferecido - afinal, eu estava construindo um caminho.
Muitos foram incapazes de me compreender, mas eu compreendia.
Muitos foram incapazes de confiar nas minhas escolhas, mas eu confiava.
Muitos foram incapazes de reconhecer os meus valores (e os anseios que me guiavam), mas eu reconhecia.
Pensei:
- E se o amor que (hoje) eu sou capaz de receber for, exclusivamente, o que eu sou capaz de oferecer a mim mesma?
Afinal, somos incapazes de perceber e de assimilar o que, em nós, não existe ou não é trazido à consciência. Seja conhecimento, sejam sentimentos.
Até lá, vivemos nos relacionando com a idealização de algo que nos é estrangeiro. Tudo que nos entregam parece insuficiente. A forma com que nos entregam parece inadequada.
O amor não é, senão, um reflexo.
Então, quando foi que eu me senti verdadeiramente amada? Quando eu entendi que eu era confiável, quando eu entendi que eu precisava ser quem eu desejava encontrar, quando eu entendi que a existência contava com o meu desenvolvimento para completar o seu projeto.
Eu me sinto útil à existência - e esse é o único valor que me interessa ter.
Eu sinto a força da vida fluindo e transbordando através de mim - e essa é a única função que me interessa ter.
Eu me sinto amparada e apoiada por forças invisíveis - e essa é a única conquista que me interessa ter.
Só podemos ser amados na medida e na profundidade com que nos amamos.
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