Quando abril começou, eu jamais imaginei que terminaria assim.
O fechamento de um ciclo de aprendizados que, acredito, levará meses para ser assimilado.
Assisti o meu maior medo tomar forma diante dos meus olhos.
Eu a vi definir o que haveria de ser feito com o seu corpo e com as suas cinzas. Como o seu falecimento deveria ser representado no jazigo da família. O destino de suas roupas. Organizou papeis. Limpou gavetas. Deu conselhos. Solicitou visitas.
Ela olhava nos meus olhos enquanto o médico sinalizava que o corpo dela não estava mais respondendo a nenhum tratamento e que o plano, dali em diante, seria mantê-la confortável. Estou certa de que ela compreendeu mais o meu olhar, que as palavras do médico.
“Eu ainda tinha tantos planos” - disse ela com a voz trêmula. Eu também - desejei dizer, mas sem conseguir emitir nenhum som.
Ela se permitiu desabar. Eu a abracei enquanto chorava, assim como, tantas e tantas vezes, ela me abraçou.
Ela se permitiu silenciar. Ela se permitiu tocar. Ela se permitiu sentir. Ela se permitiu receber.
Estive lá todos os dias (falo dos últimos 42 anos e não dos últimos 42 dias). Respiramos o mesmo ar nos dias bons e nos dias ruins. Dividimos os nossos pratos prediletos, assim como dividimos a comida do hospital.
Eu sorvi essa experiência até o ponto de reconhecer a sua alma: uma grande e antiga alma amiga. Fui capaz de obedecer a (quase) todos os seus pedidos.
Fiz o meu melhor para dignificar os seus últimos dias e para ajudá-la a ressignificar as dores da sua existência - que eram muitas.
A sua inteligência natural foi se aprimorando e ela foi capaz de construir os seus últimos capítulos conforme o desejo do seu ser maior.
Eu assisti tudo, absolutamente tudo, acontecer de forma perfeitamente encadeada, ordenada. Eu era capaz de sentir a força que operava o encerramento daquela experiência.
Certo dia, ouvi: “o que você gostaria que fosse a última coisa que ela veria em vida?”. Sem precisar pensar, respondi: o meu olhar. Eu e ela sabemos que assim foi.
Uma alma grandiosa que fechou uma existência. Não deixou reticências.
Eu chorei com o seu sofrimento, mas não derramei uma lágrima de dor com o seu desligamento. Alegrei-me (eu sei, também estranhei) com a libertação da sua alma, que não podia mais fazer daquele corpo um lar.
Algo de mim atravessou dimensões junto com ela e pode atestar: o verdadeiro amor não conhece o tempo, nem o espaço, nem a forma.
Eu a sei viva.
Eu a sei plena.
Eu a sei família.
Eu a sei existindo como sempre existiu.
Fecho o mês de abril com um desejo que já sei realizado: que os nossos planos, de alguma forma e em algum momento, coincidam.
Eu a reconhecerei.
"... Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar..."
🌹✨💓
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