segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Curando-me de mim mesma.




Ouvi, uma vez, a explicação de uma mulher árabe sobre o motivo pelo qual ela usava roupas largas e cobria os cabelos para sair de casa.

Para a minha surpresa – e, naquele momento, deixando de lado as minhas percepções acerca do condicionamento social -, a resposta dela em nada se aproximou dos conceitos de limitação do universo feminino ou de submissão.

Ela simplesmente disse que guardava o seu melhor, a sua beleza e a sua completa exposição para quem partilhava o mesmo teto que ela.

Essa inesperada resposta reverberou profundamente e longamente em mim, trazendo à consciência a incoerência entre a nossa postura dentro e a nossa postura fora de casa: são completamente invertidas.

Sinto que, antes de encarnarmos, escolhermos a dedo os aprendizados e os vínculos que teremos. Por certo que as lições das quais não podemos fugir nos são apresentadas por meio dos vínculos mais firmes, como os familiares.

Assim, ainda que fisicamente afastados, permanecemos energeticamente vinculados ao grupo familiar e aos aprendizados que ele reserva.

É em casa que extravasamos. É em casa que transformamos as nossas frustrações em comportamentos agressivos. É em casa que projetamos a nossa insegurança, a nossa insatisfação e a nossa inconsciência. Isso porque, ainda assim, amanhã eles estarão lá, prontos para mais um dia ao nosso lado.

Podemos passar a vida assim, um alimentando o corpo de dor do outro.

Havia, para mim, naquele momento, uma escolha e uma cura que deveriam ser feitas em vários níveis.

A partir daquele dia, então, eu escolhi me curar de mim mesma. Resolvi lançar mão de tudo o que estava ao meu alcance para purificar a minha mente e aliviar o meu coração.

Decidi que eu passaria a dar o melhor de mim para os meus companheiros de jornada mais próximos; que eu não daria para ninguém fora, o que eu não fosse capaz de oferecer dentro do meu núcleo. Assim, além de me propiciarem as minhas maiores e mais complexas lições de vida (como assim se propuseram), os meus amados mais próximos também receberiam a minha atenção, o meu tempo e a minha dedicação.

Continuei a usar o velho pijama, mas, daquele dia em diante, passei a conter os meus primeiros impulsos explosivos. Eu respirava e voltava ao centro antes de responder.

Também passei a conter os meus impulsos de preguiça ou inércia e passei a agir antes de ser demandada, passei a juntar antes que alguém se abaixasse, passei a guardar antes que alguém o fizesse por mim.

O que parecia ser um serviço ao outro, era, em verdade, um processo profundo de autoconhecimento. Sair do modo reativo demandou muito autocontrole.

Mas toda essa mudança criou um movimento que eu demorei muito (muito mesmo) para perceber: eu estava criando abismos entre mim e as pessoas. Ninguém sabia de verdade como eu estava me sentindo, nem mesmo eu. Eu apenas continha o impulso, sem senti-lo e sem me responsabilizar por ele.

Enfrentar esse corpo emocional não está sendo nada fácil.

Reconhecer o sentimento que dispara cada impulso não está sendo fácil.

Aprender a sentir a raiva, permitir que ela se expresse através das minhas células, que ela revire o meu estômago e feche a minha garganta, até escorrer pelos olhos.

Aprender a sentir ciúmes, daquele que faz o corpo todo arder e me transforma em uma loba que demarca o seu território e está disposta a brigar por ele, ao mesmo tempo em que só deseja ser acolhida em um abraço e apoiada pelo olhar do homem que me escolhe todos os dias.

Aprender a sentir medo, deixar o coração disparar e a cabeça perder o rumo. Reencontrar, no escuro, a linha que me sustenta no amor, na pureza e na confiança.

Ainda (e talvez para sempre) em queda livre, um profundo mergulho dentro de mim, recolhendo cada fragmento e reconhecendo cada traço de personalidade.

A cada dia, mais um passo em direção a um maior alinhamento entre o sentir, o pensar, o falar e o agir.

Hoje já consigo reportar o meu estado emocional, sem que as pessoas precisem interpretar o meu comportamento intranquilo ou o meu olhar distante.

O grande resultado foi que a honestidade comigo mesma trouxe o espaço de cura para dentro do meu campo. Tornei-me plenamente capaz e plenamente responsável pela minha purificação.

Que haja coragem para seguir.

Que haja amor para sustentar.

Que haja mãos para segurar.

Que haja abraços para confortar.

Que haja integridade no caminhar.

Em silêncio,

Talita.

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