sábado, 31 de agosto de 2019

A força para renunciar





Ainda sobre renúncia.

Ouvindo uma banda que eu amo, Sleeping at Last, a seguinte frase saltou aos meus ouvidos:
“Show me where my armour ends
(Mostre-me onde a minha armadura termina)
Show me where my skin begins”
(Mostre-me onde a minha pele começa)

Toda a nossa reatividade é uma armadura.

Toda a nossa insegurança é uma armadura.

Todos os nossos complexos são uma armadura.

Toda a nossa agressividade é uma armadura.

Até mesmo o nosso excesso de prestatividade pode ser uma armadura.

O que estamos querendo proteger? O que é isso que o ego tenta, incessantemente, manter oculto? Qual é a dor que estamos evitando a todo custo? As pessoas são confiáveis? Será que eu suportaria, novamente, a dor da decepção?

Em vez de, simplesmente, reconhecermos que somos vulneráveis e que desejamos ardentemente amar e ser amados, preferimos carregar o peso da armadura.

Sofremos por medo de sofrer.

Relacionamento após relacionamento, zero conexão. Insegurança, ansiedade, exigências, reivindicações, garantias.

Dói.

Desgasta.

Anestesiamos.

Só queremos que o dia passe. Que mais um dia passe.

Desejamos profundamente que a providência divina nos enxergue e faça por nós o que não damos mais conta de fazer.

“Show me where my armour ends, show me where my skin begins.”

Não é nada fácil reconhecer o que em nós é verdade e o que foi criado para servir ao personagem, travestindo a dor em todo tipo de sentimentos e justificativas.

Eu tenho dificuldade de colocar toda a minha energia em um relacionamento, porque a minha família, tanto materna, quanto paterna, carrega um histórico de traições e relacionamentos frustrados.

Posso contar essa história para mim a vida inteira e, tranquilamente e verdadeiramente, ela serve para justificar a dor que eu carrego. O cansaço de estar em busca de algo que eu nunca encontro. O vazio dentro do peito. A distância entre o sentir, o pensar, o falar e o agir.

Mas eu posso fazer uma escolha diferente. Posso ir além de apenas reconhecer as minhas restrições e de tomá-las como balizadoras da vida. Posso fazer essa escolha agora.

Eu posso lidar com a culpa por não reverberar a dor dos meus antepassados.

Eu posso lidar com a culpa por ter um relacionamento mais saudável que os que me precederam.

Eu posso lidar com o medo de não pertencer ao grupo familiar, por não me solidarizar com as suas dores.

Eu posso ressignificar tudo isso e tomar força para subir esse degrau que foi pavimentado por tantas histórias.

Eu posso.

Mais que isso.

Tenho força para caminhar pelos anos que vivi, e recuperar a dignidade que foi quebrada em mil pedaços a cada experiência da qual não me orgulhei.

Tenho força para me recompor, para reconhecer a minha verdade e para confiar na minha capacidade de sustentar uma nova vida, baseada em novas escolhas, almejando novos fins – que não antevistos ou desejados pelos meus familiares.

Tenho força para colocar os meus dois pés em um relacionamento, arriscando tudo na aventura de viver uma vida completamente exposta, abrindo o coração e aprendendo a ser plena contribuição na vida do outro.

Tenho plena capacidade de aprender pelo amor e de elevar a minha consciência sem a necessidade de enfrentar experiências dolorosas.

Não mais.

Eu tomo nas mãos as rédeas da minha vida.

Não mais confundirei gratidão, com a obrigação de repetir padrões de sofrimento. Não mais me sacrificarei em nome da harmonia. Não mais tirarei do outro a sua própria responsabilidade. Não mais ultrapassarei os meus limites para ser útil. Não mais me colocarei em segundo plano para ter o meu valor reconhecido.

Eu renuncio às minhas próprias justificativas.

Finalizo com um trecho de Eckhart Tolle:
“A iluminação conscientemente escolhida significa renunciar ao seu apego ao passado e ao futuro e fazer do Agora o principal foco da sua vida. Significa decidir morar num estado de presença em vez de no tempo. Significa dizer sim ao que é. Então deixará de precisar da dor. De quanto tempo pensa que precisará para poder dizer: “Não criarei mais nenhuma dor, mais nenhum sofrimento”? De quanto mais dor precisará para poder tomar essa decisão? Se pensa que precisa de mais tempo, terá mais tempo – e mais dor. O tempo e a dor são inseparáveis.”



3 comentários:

  1. Maravilhosa, como sempre. Coloquemos em prática. Já.

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  2. me identifiquei totalmente... espero continuar firme no trabalho de desligar essas chaves !
    gratidão pela oportunidade de leitura desse texto maravilhoso <3

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