quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O passo da inocência.



Muitos dizem que com o fim da primeira infância perdemos o estado de inocência (associando essa fase, apenas, ao surgimento da “malícia”).

Resolvi pesquisar a raiz etimológica da palavra inocência. Eis o resultado:

“O vocábulo português inocente deriva do particípio presente latino de um verbo composto com o prefixo in- . O verbo simples nocere significa "fazer mal a alguém", "prejudicar". Então, nocentes são aqueles que fazem mal a alguém, que prejudicam os outros; o contrário destes é o innocens, aquele que não faz mal, que é inofensivo. Em português temos apenas o vocábulo na negativa: inocente é, portanto, aquele que não prejudica ninguém, que não faz mal, inofensivo e, assim, honesto, virtuoso.”

“Provém do vocábulo latino innocens, innocentis, que contém o prefixo negativo in- e que se opõe a nefasto. Significa, portanto, «aquele que não causa mal».”


Eu tenho filhos.

Os meus filhos já foram ofendidos, mas também já foram os ofensores.

Os meus filhos já foram agredidos, mas também já foram os agressores.

E foi justamente nos momentos em que me deparei com a prática de “maus atos”, é que eu pude mostrar, na prática, a dinâmica do dar e receber, do plantar e colher, da ação e reação. Apenas prostrei-me e agradeci pela oportunidade de ensiná-los com amor.

Certa vez perguntei-lhes:

- se plantar um feijão, nasce o que?
- se plantar uma semente de laranja, nasce o que?
- adianta plantar feijão e esperar que nasça laranja?
- assim é a dinâmica do dar e receber, portanto, prestem muita atenção no que estão oferecendo.

Nenhum de nós é pura luz e negar a existência das sombras dos nossos filhos é repetir o sistema educacional que nos levou a lotar as salas dos terapeutas. Temos, sim, pontos a serem desenvolvidos e aqui reside o nosso grande potencial.

Por isso, penso que não perdemos a inocência com o fim da infância (pois somos duais desde que nascemos em um planeta em que a dualidade impera), mas, sim, que temos a chance de fazê-la preponderar no decorrer da nossa vida, ao longo dos nossos dias, conosco e com os demais.

O que perdemos foi a autenticidade.

O que perdemos foi o sentimento de que somos merecedores.

O que perdemos foi o sentimento de que somos dignos, ainda que haja, em nós, sombras.

Criou-se, em nós, um senso de adequação tão profundo, que aprendemos a nos adaptar a cada meio, de forma que fôssemos aceitos e amados. Quantas máscaras.

Adaptamo-nos a tal ponto, que a autenticidade do outro tem ares de agressividade.

Confesso que apesar de a minha criança ser muito presente na minha vida (um fluxo incontrolável de criatividade, de expressão e de expansividade), eu possuo um freio inconsciente muito forte: o medo de não ser amada pelo que eu sou.

Tenho pânico de pensar que alguém pode deixar de gostar de mim e, às vezes, isso faz com que eu seja desonesta com as minhas necessidades, faz com que eu desrespeite os meus impulsos mais sinceros.

Eu escolhi deixar ir essa bagagem, trabalhando a minha autenticidade, o meu senso de merecimento e o sentimento de dignidade com a ajuda dos melhores professores do mundo: os meus filhos.

Aceitando-os integralmente, eu me aceito.

Amando-os nos momentos mais difíceis, eu me amo.

Respeitando as suas vontades e preferências, eu me respeito.

Que a inocência – aqui considerada a parceira da honestidade, não a inimiga da malícia –, seja a marcha que rege o meu passo.

Que eu confie no meu plantio.

Que eu respeite o tempo de maturação.

Que eu saiba receber.


Recebendo.

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