segunda-feira, 25 de junho de 2018

Nem o sabão é só sabão.




Há algum tempo fiz um curso de saboaria.

Ontem, lavando a louça, eu revi todos os processos na minha mente.

Os sabões são feitos a partir de gordura (animal ou vegetal). O que transforma a gordura em um produto diferente é a soda cáustica (basicamente esses são os dois componentes dos sabões). A soda cáustica tira a gordura da zona de conforto e, com um pouco de movimento, transforma-a em algo completamente diferente.

Há dois processos básicos: o processo a frio (mais lento, de dentro pra fora) e o processo a quente (mais rápido, de fora pra dentro, com a utilização de um agente externo que eleva subitamente a temperatura). Ambos os processos precisam de um período de cura, para que o excesso de água seja eliminado, permanecendo, apenas, o que é necessário.

Alguma semelhança entre o aprendizado pelo amor e o aprendizado pela dor?

Mais que isso, após a transformação, a gordura se transforma em um desengordurante. Algo capaz de arrastar consigo o que ele, antes, era.

Como tudo, muito mais profundo do que parece.

Nem o sabão é só sabão.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Relacionamentos e hortas





Relacionamentos e hortas têm tudo a ver.

Quando você escolhe as plantas que deseja ter em uma horta, precisa dedicar um pouco do seu tempo e da sua atenção para conhecê-las melhor.

Deve pesquisar em que tipo de terra elas se desenvolvem melhor, se gostam de sol, quantas vezes por semana precisam ser regadas, com quais outras plantas se relacionam bem, a que tipo de pragas estão sujeitas e de que forma pode ajudar a superá-las, se os frutos devem ser colhidos ainda verdes (para que finalizem o processo de amadurecimento com a sua ajuda) e assim por diante.

Não existe a mínima possibilidade de agir contra a natureza delas. Faltou água, elas morrem. Excesso de sol, elas morrem. Colhe o fruto antes da hora, ele perece. 

Assim são as pessoas. Ainda que consigam se adaptar, ainda que se permitam ceder em alguns pontos, passou do limite, perdem o viço, perdem a graça, tornam-se desinteressantes.

Em um relacionamento você precisa colocar a sua atenção verdadeira no outro e compreendê-lo, aceitá-lo, acolhê-lo. Jamais possuí-lo, controlá-lo, inferiorizá-lo.

Precisa saber o que move o seu parceiro e ajudá-lo a manter essa chama acesa, intocada.

Precisa saber o que mexe com ele, quais os argumentos poderia usar para fazê-lo agir exatamente como você quer, apenas para jamais usá-los (porque você não deseja receber dele nada que não flua naturalmente da sua essência).

Precisa saber como ele gosta do café, o que ele gosta de passar no pão, o tipo de lençol que lhe agrada a pele, os lugares que ele gostaria de conhecer, como ele gostaria de envelhecer.

Precisa respeitar o tempo dele, sem exigir que ele ofereça sementes ou frutos antes do tempo.

Precisa acolher o outro com as suas fraquezas, os seus traumas (todas as pragas às quais está suscetível), colocando-se na posição de auxiliador, se assim for demandado.

Esse nível de compatibilidade é muito valioso, muito verdadeiro. Quando há verdade nada é forçado ou manipulado: há duas naturezas que convivem (por opção) e se manifestam harmoniosamente.

E de repente você enxerga que não há, ali, apenas dois corpos que se encaixam com a maior naturalidade do mundo. Há, ali, um encontro marcado entre seres que se comprometeram a se ajudar, a crescer, a amadurecer.

Só é possível crescer em verdade quando não simulamos para agradar o outro, abandonando aspectos caríssimos de nós, fragmentando a nossa essência.

Só é possível crescer quando a terra é adequada, quando o sol e a água nos são dados na medida certa, quando a temperatura (quase sempre) é propícia.

Só é possível crescer quando se aceita a transitoriedade das coisas e das pessoas, sendo grato por cada momento em que é possível a convivência, sabendo que amanhã tudo pode ser diferente - não existe segurança ou garantia de nada.

Não existe gaiola que prenda um coração.

Talita Rebello
02.05.2016


segunda-feira, 18 de junho de 2018

Quando as árvores somos nós




As plantas são uma das minhas grandes paixões.

Eu sempre fui adepta da menor interferência, sempre gostei da espontaneidade (nas pessoas e na natureza). Gosto de observar o que nasce “sozinho”, as plantas que brotam na composteira e as surgem pelos cantinhos.

Estou certa de que isso tem relação com o respeito que eu tenho à minha essência e com o compromisso de abrir mão do controle (tentar controlar ou deixar ser controlada).

Dizem os índios: as ervas que nascem no seu quintal, são a sua cura.

Vejam como é lindo: a conexão que criamos com o pedaço de terra que nos abriga, é capaz de despertar o banco genético conforme a nossa necessidade.

O propósito do Reino Vegetal é servir. Curar o nosso corpo físico, aliviar o nosso corpo mental, elevar a vibração do nosso campo espiritual. As plantas ativam todos os nossos sentidos, toda a nossa sensibilidade: é só conversar com o alecrim que ele nos perfuma.

Aí sábado conheci o Mago Jardineiro. Ademar Brasileiro.

Com uma tesoura de poda na mão, um sorriso imenso no rosto e um relacionamento de trinta anos com as plantas, ele me deu uma lição de vida profunda, usando uma pequena Pitangueira.

A cada galho que ele cortava, um arrepio. Por que interferir no crescimento da planta?

Então ele disse: “a planta pode crescer para qualquer lado, mas alguns galhos, como os que vão para cima, raramente darão frutos, apenas utilizarão a energia vital da planta para crescer. Então, podemos podar esses galhos (com o menor corte possível) e deixar os que crescem na horizontal, pois é lá que a seiva se demora mais e, por isso, florescem e frutificam mais. Mais energia direcionada para os galhos certos, mais flores e mais frutos.”

Naquele instante eu, que já havia reconhecido a grandeza daquele ser que se veste de jardineiro, me curvei de corpo todo.

Lembrei das providências divinas em nossas vidas. Lembrei dos caminhos interrompidos, dos relacionamentos desfeitos, das intercorrências da vida. Caminhos que – sabia Deus – não renderiam frutos e foram precocemente ceifados. Choramos as nossas feridas enquanto redirecionamos a nossa energia para o caminho mais fluido, no qual, em pouco tempo, floresceremos lindamente.

Então dizemos: “Oh, Deus escreve certo por linhas tortas!

Não, diria o Mago.

Ele apenas vê a Pitangueira de fora, ralinha e pesada e, atendendo a um apelo silencioso, observa com atenção. Então, causando a menor ferida possível, interrompe  os caminhos estéreis.

Passei a tarde de domingo sentada ao lado do alecrim, tentando entender quais os caminhos que estavam desgastando a sua energia, observando a sua relação com as plantas companheiras. Então, pela primeira vez, eu extraí alguns galhos com amor – em vez de fazê-lo com dor –; desejosa de que ele estivesse entendendo os motivos pelos quais eu o fazia, de que as feridas curassem rapidamente e ele pudesse utilizar melhor a sua energia.

Talvez seja assim que Deus se sente, quando as árvores somos nós.

Em profunda gratidão.




terça-feira, 12 de junho de 2018

Para chegar a Deus, há que se aprender a ser humano.




Já me disseram algumas vezes que eu jamais deveria escrever sobre as minhas falhas, porque senão eu perderia totalmente a credibilidade.

Esse conselho fervilhou em mim por muito tempo e eu lembrei dele todas as vezes em que eu expressei a minha dor e os meus processos em público.

Mas por quê? Perder a credibilidade não era algo que me preocupasse. Eu nunca desejei ser vista como um objetivo a ser perseguido, nem como alguém que pudesse resolver os problemas alheios.

Eu sou apenas alguém que está, de fato, olhando para a própria vida e buscando, a todo momento, a autorresponsabilidade.

Espero, apenas, servir como um instrumento de encorajamento.

Ouvi, em uma música, a seguinte frase: “para se chegar a Deus, há que se aprender a ser humano”.

Expor a minha humanidade é mais forte que eu – e me conectar com a humanidade do outro é algo que me encanta.

Muitas pessoas falam sobre Jung, sobre Freud, sobre Prem Baba, sobre Buda, sobre Jesus. Muitas pessoas falam sobre a vida dos outros (seja para honrar, seja para criticar).

Gostaria que elas falassem sobre elas mesmas e sobre como lidaram com as suas próprias experiências.

Gostaria de conhecer, pela sua própria boca, os seus pais.

Gostaria que elas contassem como os demônios que encontraram no caminho acabaram por se tornar os seus espelhos.

Gostaria que elas partilhassem as histórias de amor e, com amor, partilhassem as suas histórias de dor.

Para mim, esse, sim, é um ser humano iluminado, pois alivia a carga de perfeição imposta aos demais.

Precisamos nos libertar e libertar as pessoas das nossas expectativas.

Se existe um jeito de passar de fase nessa dimensão, com certeza não é fingindo que vivemos em outra. Precisamos ser hábeis com os instrumentos que nos foram concedidos, precisamos ser hábeis com o ego, com a dualidade, com as nossas projeções, com os nossos gatilhos – e não fingir que os superamos, que não existem, que não nos afetam.

Pense em todos os gurus que você conhece ou ouviu falar.

Todos eles passaram por processos emocionais. Todos eles sentiram dor. Todos eles sentiram raiva. Todos eles julgaram. Todos eles se decepcionaram. Todos eles se sentiram perdidos. Todos eles questionaram o seu caminho. Todos eles, em algum momento, falharam.

Muitos deles não falaram sobre o próprio caminho, apenas o viveram. O que temos acesso é à transcrição do que os outros puderam absorver do que eles verbalizaram. Apenas do que verbalizaram e apenas o que passou pelo filtro de quem transcreveu.

Será que perderiam a credibilidade se conhecêssemos as experiências que os levaram a um entendimento mais profundo sobre a existência? Ou será que isso nos inspiraria a mergulhar nas nossas próprias profundezas – em vez de nos mantermos em busca de um ideal divino dificilmente atingido, negando a tudo o que existe nessa dimensão?

Nenhum deles sabe mais sobre a sua vida que você mesmo. Enquanto você estiver buscando alguém para responder as suas perguntas, estará distante da resposta.

A verdadeira expansão ocorre por meio da experiência, do enfrentamento de si mesmo - e não pelo acúmulo de bibliografias em sua mente.

Não há nada de errado com o seu caminho.

Não há nada de errado em ser humano.

Não há nada de errado em ser você.

Não há nada de errado.

Todos os que aqui pisaram viveram a mesma experiência, muito embora com enredos diferentes.

Eu adoraria ouvir a sua.

Eu vou continuar contando a minha. Com as minhas próprias palavras. Sem filtro.