quinta-feira, 28 de julho de 2022

Liberdade...

 


 

Liberdade.

Quase uma palavra de ordem.

Há dias estou vivendo essa temática e, em tudo o que vejo, encontro a antítese.

Em um texto, Og Mandino aponta que o grande diferencial do ser humano é o seu poder de escolha. Segundo ele, nenhuma outra criatura - física ou extrafísica - tem o direito de se autodeterminar como o humano (nem os animais, nem as plantas, nem os anjos).

Até certo ponto, esse fragmento de verdade faz sentido. O que eu me pergunto é: temos, de fato, poder de escolha?

Somos gerados a partir da combinação de cromossomos de duas pessoas. Nosso DNA registra a memória da evolução da nossa espécie - através de êxitos e dores.

Aqui, nosso primeiro balizamento, o genético. Nossos limitadores físicos e intelectuais.

Nascemos completamente dependentes.

Então, o primeiro engatinhar, os primeiros passos. A noção do eu e do eu entre uma multidão - de ser mais um (e não o centro do mundo).

Somos introduzidos em uma religião e lá somos apresentados à verdade. Dizem-nos: não mais questionem. Fazem-nos repetir os mesmos rituais e ler os mesmos textos - assim como nossos antepassados fizeram.

Afinal, o que seria do ser humano sem algo capaz de balizar o seu poder de escolha?

A família e a religião demarcam muitas das nossas fronteiras e pré-disposições. Desde muito novos, passamos a caminhar com a mochila cheia: nela estão os padrões, tudo o que devemos fazer para sermos amados, dignos e salvos.

Depois, a escola.

Lembro-me do primeiro dia de aula, na primeira escola. Sou capaz de sentir o cheiro que escapa pelos vãos da minha lancheira. Sinto uma folha longa de grama vibrando entre meus dedos pequenos, enquanto é mastigada por um voraz porquinho da índia.

Aprendemos a silenciar o corpo, a conter os impulsos. Não mais podemos dormir, comer ou correr a hora que bem entendemos.

Afinal, o que seria do ser humano sem algo capaz de balizar o seu poder de escolha?

Muitos de nós, nessa fase, já possuem algumas camadas de trauma. Caminhos neurais que agem como verdadeiros antolhos e cabrestos.

Já não mais perguntamos "por que"? Não mais nos espantamos com a cor do céu, nem com a dança das estrelas. Não nos ocupamos com as fadas vestidas de jasmim, nem com os estalos das paredes de madeira.

Tudo tem uma explicação lógica, cartesiana, materialista, repetitiva. Totalmente desconectada do mistério.

Aprendemos a andar de bicicleta. Conhecemos o mar. Subimos a primeira montanha. Cavalgamos. Viajamos. Ah, os pequenos momentos de liberdade.

Dentro do infinito espectro das possibilidades, passamos a escolher o comum, o pré-definido.

Vestibular. Profissão comum. Casamento. Filhos. Trabalho. Rotina. Aposentadoria.

Alguns de nós são capazes de se revoltar contra toda essa doutrinação. Batem o pé. Questionam. Abrem a mochila e jogam tudo fora. Passam a perseguir a liberdade. Viajam o mundo. Afastam-se da família. Deixam de conversar com Deus.  Até que descobrem: a demanda por liberdade também pode ser uma prisão. Em um planeta de terceira dimensão, liberdade sem responsabilidade pode trazer consequências materiais desastrosas.
 
Um dia passamos a entender: a liberdade é mental. Tudo o que se materializa deixa de ser livre - pois todas as escolhas passam a ser prisioneiras das consequências.

Não há para onde fugir e não há outro lugar - onde quer que estejamos, lá estão nossos genes, nossos padrões, nossos preconceitos, nossas crenças, nossos traumas.

Assim como O Alquimista, que encontra as suas respostas no ponto de partida, nós.

Cansados - e transformados -, voltamos às origens. À base. Aos alicerces de quem somos.

Para onde eu quero ir?

Como eu desejo me sentir?

Quais valores são inegociáveis?

Então, quem sabe, as balizas possam se tornar plataformas e poderemos começar a construir a pessoa que desejamos nos tornar.


 

terça-feira, 28 de junho de 2022

Amiga de mim mesma

 



Foi com tropeços que construí uma amizade comigo mesma e aprendi a confiar em mim. 

Sou relativamente jovem, mas já vivi bastante. Sinto como se fossem muitas vidas dentro de uma só existência. 

Posso dizer: sempre existe um ser humano que acredita estar mais habilitado a dirigir a nossa vida – mas que precisa da nossa colaboração para conseguir. 

Lembro-me de um fato em especial (e, hoje, assumo total responsabilidade por ele). Desde que eu posso me recordar, eu amo o interior. As cidades menores, os dias mais lentos, a vida passando devagar. Cavalos, mato, silêncio. 

Escolhi a faculdade de agronomia. Não era o que esperavam de mim, menina articulada e argumentadora. Mesmo tendo passado na Federal, em poucos meses cedi à pressão. 

Fiz novo vestibular para direito, lugar certo para a minha expressão própria – segundo os mais habilitados. 

Qualquer um que me conhece (ainda que pouco), pode perceber que a natureza é a minha maior conexão. Que sou movida pelas cores, pelos cheiros e pelos ritmos do reino vegetal. Conto os dias por cada planta que brota, floresce ou frutifica. 

Foi a última vez que uma decisão importante da minha vida foi tomada por pressão externa. 

Fui testada outras vezes e não falhei. Nas piores circunstâncias eu fui capaz de fazer as minhas escolhas independentemente da opinião das outras pessoas. 

Como é bom poder contar comigo. 

Como é bom ser honesta comigo mesma. 

Como é bom segurar a minha própria mão. 

Com o tempo aprendi que quanto mais pedimos opinião, mais fragmentamos nosso poder pessoal, colocando parcelas dele nas mãos alheias (que, mesmo que próximas, não calçam nossos sapatos). 

Somos nosso próprio universo. Dormimos e acordamos com sozinhos com a nossa consciência.  

Ainda que finjamos não saber, somos os senhores das nossas escolhas e assumimos sozinhos as consequências delas. Ainda que nos sintamos vítimas da pressão externa, a escolha final é nossa. 

Constatei – incontáveis vezes – que os sabidos de plantão cometem seus próprios erros (não raro contrariando sua própria opinião). Além disso, nenhum deles compartilha conosco as consequências.

Também confesso que a vida, com suas voltas, graciosamente me colocou frente a frente com as situações que eu julguei ser mais capaz (que os outros) de superar. É como se cada crítica ou julgamento tivesse cravado uma estaca em meu próprio caminho. 

Colocar o foco em nossos próprios passos é um exercício – cada vez mais difícil com as redes sociais. 

Nosso trabalho é conhecer o que nos movimenta em uma ou outra direção, estar consciente dos gatilhos emocionais, observar as crenças.  

Jung dizia que até nos tornarmos conscientes, quem dirige nossas vidas é o inconsciente e chamamos isso de destino.  

Somos todos responsáveis.  


domingo, 27 de março de 2022

Escolho Construir

 




Uma das minhas maiores habilidades é deitar-me no chão. 

É a melhor posição para observar o céu. 

Tudo muda de perspectiva e me abre para outras possibilidades. 

Ontem, enquanto observava as nuvens, desandei a fazer perguntas. 

Percebi que cada camada de nuvens seguia uma direção e, senti, aquilo era parte da resposta que eu precisava. 

No nível em que estamos, encarnados na Terra, existem coisas que apenas os humanos podem fazer. 

Então, perguntei: devo esperar que Você atue no tempo adequado ou Você está esperando que eu atue no tempo em que eu entender adequado? 

Entendi.  

Todas as opções estão disponíveis a todo momento. Tudo o que eu posso desejar é meu direito obter (ainda que seja ruim).  

Depende, apenas, de uma escolha. 

Lembrei-me de Richard Bach: 

“Uma nuvem não sabe por que se move em tal direção e em tal velocidade. Sente um impulso...é para este lugar que devo ir agora. Mas o céu sabe os motivos e desenhos por trás das nuvens, e você também saberá, quando se erguer o suficiente para ver além dos horizontes.” 


Um passo acima da dualidade, todos os opostos se reconciliam. 

Assim como o preto e o branco são as extremidades de um mesmo espectro, assim também o são o bem e o mal, o certo e o errado. 

Certa vez Arcanjo Gabriel disse: “Não existe o certo e o errado, existe o que funciona e o que não funciona, dependendo do seu objetivo”. 

Ou seja, apenas estamos escolhendo o tipo de experiência que desejamos viver. Cito, novamente, Richard Bach:  

“Não a Minha vontade, mas a tua seja feita. Pois o que for a tua vontade, será a Minha para ti.” 


Com o mesmo olhar, Og Mandino, em um texto maravilhoso, escreveu: 

Dei-te o poder de pensar. Dei-te o poder de amar. Dei-te o poder de querer. Dei-te o poder de rir. Dei-te o poder de imaginar. Dei-te o poder de criar. Dei-te o poder de planejar. Dei-te o poder de falar. Dei-te o poder de orar. Meu orgulho em ti não conheceu limites. Eras minha criação suprema, meu milagre maior. 

 Um ser vivo completo, criatura que pode ajustar-se a qualquer clima, a qualquer vicissitude, a qualquer desafio. Criatura que pode cuidar de seu próprio destino sem qualquer interferência minha. Criatura que pode traduzir uma sensação ou percepção, não por instinto, mas por pensamento e deliberação, levando-a a qualquer ato que fosse melhor para ela e para toda a humanidade.  

(...) eu te dei um poder mais, poder tão grande que nem mesmo meus anjos o possuíam...Eu te dei...poder de escolher. Com este Dom, coloquei-te acima até mesmo dos meus anjos... pois os anjos não têm a liberdade de escolher o pecado.  

Dei-te o controle completo sobre o teu destino. Eu te disse para determinares, por ti próprio, tua própria natureza, de acordo com tua própria vontade livre.  

Nem divino, nem terreno em natureza, estavas livre para modelar-te na forma que preferisses.  

(...) Tu renasceste..., mas, exatamente como antes, podes escolher o fracasso e o desalento, ou o êxito e a felicidade. A escolha é tua. A escolha é exclusivamente tua. Eu só posso observar como antes... com satisfação... ou pesar. 

 

Não vejo a escolha, apenas, como atos abruptos capazes de, repentinamente, mudar a orientação do nosso caminhar. 

Vejo como pequenas sementes. O poder da escolha atua através dos nossos hábitos, da forma com que realizamos as atividades mais rotineiras, do fortalecimento dos nossos valores, da forma com que olhamos o outro. 

Tudo o que está ao alcance das nossas mãos está (ou poderia estar) dentro do âmbito das nossas escolhas.  

Por algum motivo, perdemos contato com essa percepção e colocamos a nossa autodeterminação nas mãos de Deus – enquanto Ele nos sussurra: escolha para onde quer ir, plante sementes, seja disciplinado, não perca de vista o seu objetivo; invariavelmente, suas pequenas escolhas diárias alinharão seu caminho ao destino. 

Somos uma construção. 

Em um livro chamado O Caminho dos Essênios, tal qual o Messias de Bach, Jesus decidiu não mais fazer milagres. Teve a percepção de que as pessoas buscavam a resolução imediata de seus problemas, em vez de buscar a Ele e ao que estava disposto a ensinar: 

“Que espetáculo esperam de mim? (...) Estes homens só esperam prodígios e não sabem o que fazer com a força que os suscita. (...) Ele quer abrir os corações, mas tudo o que consegue é por o egoísmo em evidência. Por que razão acreditais que discutem para saber quem me hospedará? Sem dúvida não há um que não deseje uma cura ou uma profecia sob seu teto.” 


Poucos entenderam que Ele se fez humano para mostrar que, como humanos, temos um grande poder nas mãos. Ele disse: 

“Deves adaptar-te, em determinada medida, à época em que é a tua. Se queres ser ouvido, não sejas muito diferente dos outros. A diferença que se cultiva voluntariamente muitas vezes mostra-se como um orgulho inexpugnável! Se queres que ouçam a divindade que habita em ti, não expulses completamente o humano que lhe serve de suporte. O não-respeito a esta regra, digo-te, fará com que te receiem mais do que te amem. (...) Beberei o vinho que me oferecerem. Minha vontade apenas limitará sua quantidade. Eu sou o Reconciliador, meus Irmãos, não o profeta dos ascetas da montanha!” 


Muitas vezes, deixamos de dar vazão aos nossos impulsos porque nos foi incutido que devemos nos penitenciar. Que devemos barganhar com Deus através de sacrifícios. Que o reino dos céus está de portas abertas aos oprimidos. 

Mas quando Jesus diz não ser o profeta dos ascetas, ele está dizendo que podemos e devemos viver a plenitude da vida, não devemos demonizar o nosso corpo, nem a matéria.  

Ele diz que tudo nos é lícito, mas que incumbe ao nosso discernimento o “se”, o “quanto”, o “quando” e o “como”. 

Devemos atribuir valor à vida humana. 

Devemos extrair da humanidade uma experiência divina. 

Devemos exercitar a divindade enquanto pisamos nesse chão. 

Senão, por que Deus se faria homem em cada um de nós? 

terça-feira, 8 de março de 2022

Quem fui e quem sou






Certa vez eu participei de uma vivência em um grupo de mulheres que me rendeu uma semana de recordações dolorosas. 

Foram sete dias revivendo todas as agressões que eu sofri na vida. 

Agressões que eu sofri por parte de mulheres. 

Algumas delas eu sequer tinha percebido. Até aqueles dias. 

Desde as bofetadas na primeira série do primário, até os cancelamentos silenciosos (daqueles que não te dão chance de defesa), revivi todas.  

Com uma diferença: eu pude olhar para todas elas com compaixão, porque, naquele momento, eu já era capaz de reconhecer a agressora que, também, fui.  

Eu já era capaz de reconhecer as dores imensas que se escondiam atrás de uma mulher, pois escapei a poucas delas. 

Eu já era capaz de caminhar de mãos dadas com os erros que cometi, sem ocultá-los dos meus próprios olhos (e, muitas vezes, só deles) quando aconselhava ou ouvia outra mulher. 

Eu já era capaz de discernir o que estava sob a minha responsabilidade e não assumia culpas indiscriminadamente. 

Eu já era capaz de entender que existe uma memória cármica poderosa que impede as mulheres de comunicar, com exatidão, o que sentem e o que necessitam. 

Eu já sabia quem eu era. E eu já sabia que não havia nenhum ser perfeito caminhando nesse planeta. 

Eu pude fazer a pazes com as minhas memórias, mas nem sempre tive a oportunidade de fazer as pazes com as memórias que outras mulheres carregam de mim. 

Hoje, em vez de desejar um feliz dia das mulheres, eu ancoro um pedido de perdão pelas dores que eu causei a cada uma das mulheres cuja vida eu toquei.  

Assim como vocês, eu estava vivendo a minha vida e chorando as minhas dores da maneira que me foi possível. 

Desejo que aprendamos a nos comunicar, que conheçamos as nossas necessidades e saibamos expressá-las com transparência, que tenhamos segurança para estabelecer limites. 


terça-feira, 1 de março de 2022

Círculos viciosos



Era uma vez uma alma pura e plenamente consciente. Perfeita.

Dentre milhares de possibilidades, escolheu a mais desafiadora: mergulhar em uma certa faixa de realidade e dar vida a corpos densos, em curtas e sucessivas experiências. A cada novo enredo, um profundo esquecimento dos anteriores.

Por que? 

Com qual finalidade ou objetivo?

O que poderia faltar a uma alma perfeita?

Talvez experiência. Talvez diversão. Talvez expansão.

Somos seres divinos que cruzam o espaço-tempo coletando experiências, mas sabemos pouco sobre as nossas motivações.

Por algum motivo, centenas de milhares de almas animam corpos de terceira dimensão e, em cada um dos ciclos, submetem-se às mais diversas experiências - talvez verdadeiros círculos viciosos.

Acumulamos informações em nossos elétrons, em nossos genes, em nosso perispírito e no campo morfogenético que nos conecta uns aos outros e a tudo mais o que existe.

Em determinado nível, não há nada que não nos seja comum.

Não precisamos de plena consciência para percebermos que, em sua maior parte, a história da humanidade vem sendo construída por experiências de dor.

Nossas almas - guardiãs dos "porques" - confiaram aos nossos egos humanos a responsabilidade por discernir o "como". 

Entretanto, de forma repetitiva, projetamos os nossos conflitos internos no mundo. Lutamos batalhas silenciosas contra inimigos imaginários, sem assumir responsabilidade alguma pelo ambiente de tensão que alimentamos.

Cada um, em seu universo particular, toma contato diário com as dores do mundo, mas raramente consegue lidar com elas. Caminhamos alternando os papeis de agressor e agredido, de culpado e vítima (quanta energia desperdiçada!). 

Nossa realidade não é antagônica às nossas vidas pessoais. É sinérgica.

Estamos, todos, de costas para a luz e face a face com a escuridão.

O que está ao meu alcance corresponde ao meu quinhão.