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sexta-feira, 7 de junho de 2019

Para o amor extravasar




Esses dias, em uma palestra, ouvi pela décima vez a metáfora dos pedreiros. Vou conta-la para vocês:

Uma vez um viajante, percorrendo uma estrada, deparou-se com uma obra em início de construção. Três pedreiros, com suas ferramentas, trabalhavam na fundação do que parecia ser um importante projeto. O viajante aproximou-se curioso.
Perguntou ao primeiro deles o que estava fazendo. Estou quebrando pedras, não vê? Respondeu o pedreiro. Expressava no semblante um misto de dor e sofrimento. Eu estou morrendo de trabalhar, isto aqui é um meio de morte, as minhas costas doem, minhas mãos estão esfoladas eu não suporto mais este trabalho, concluiu.
Mal satisfeito, o viajante dirigiu-se ao segundo pedreiro e repetiu a pergunta.
Estou ganhando a vida, respondeu. Não posso reclamar, pois foi o emprego que consegui. Estou conformado porque levo o pão de cada dia para minha família.
O viajante queria saber o que seria aquela construção. Perguntou então ao terceiro pedreiro: O que está você fazendo?
Este respondeu: Estou construindo uma Catedral!

Todos estavam fazendo a mesma coisa, apenas tinham em mente propósitos diferentes.

Para melhor ilustrar, o palestrante seguiu citando uma pesquisa feita em uma universidade americana. Nessa pesquisa, pessoas foram selecionadas para fazer ligações, a fim de convencer pessoas a fazerem doações em dinheiro para financiamento estudantil.

O primeiro grupo se reuniu e, imediatamente iniciou as ligações.

O segundo grupo se reuniu, mas, antes de iniciar as ligações, ouviu histórias de como esse trabalho seria engrandecedor para elas mesmas, pois ajudaria a desenvolver a sua oratória e a sua capacidade de convencimento.

O terceiro grupo, por sua vez, antes de iniciar as ligações, ouviu histórias de pessoas cujas vidas foram transformadas pelo financiamento estudantil, que deixaram a miséria e desenvolveram plenamente as suas habilidades.

Novamente, os três grupos faziam a mesma coisa: pediam doações.

O primeiro apenas fazia ligações. O segundo, além de fazer ligações, estava focado no que se reverteria em seu próprio benefício. Mas o propósito do terceiro transcendia a isso tudo, transcendia o próprio ser.

O resultado foi que o primeiro e o segundo grupo arrecadaram praticamente a mesma quantia. Já o terceiro grupo arrecadou o dobro em doações.

Sabe, diz-se que o propósito das sementes estelares é muito maior que elas mesmas. Eu arrisco dizer que o propósito de todo ser humano transcende a ele mesmo.

Cada movimento de observação e cura reverbera no infinito.

Podemos, todos, olhar para a nossa dor e sentir pena de nós mesmos. Podemos, por outro lado, olhar para a nossa dor e enxergar uma chance de sermos livres dessas algemas. Mas também podemos olhar para ela e identificar uma oportunidade imperdível para libertar todo um grupo familiar, quiçá reescrever a grade planetária, levando um pouquinho de amor e consciência para todos os que atravessam a mesma situação, içando-os um degrau acima.

Talvez por isso quem tem mais consciência, tem mais responsabilidades: tudo o que trazemos à consciência é potencializado.

Não podemos perder nenhuma oportunidade de servir, seja ela na dor ou no amor.

Lembrei-me que, certa vez, em uma conversa com uma amiga querida, em suposta defesa dos que ainda não despertaram, eu falei: precisamos entender que não é fácil despertar, existem tantos emaranhamentos, tantas dores passadas de geração em geração, escravidão financeira, uma mídia que nos aliena.

Ela, então, me olhou bem séria e disse: você não despertou? Qual o tamanho da sua arrogância para duvidar da capacidade de transformação dos demais? Não sinta pena, nem justifique. Apenas mantenha a lucidez e esteja presente para quem procurar pela sua ajuda.

Assim segui, esperando o melhor de todos os que cruzaram o meu caminho e aprendendo a honrar as escolhas individuais, por mais incompreensíveis que fossem.

Com Mãe Maria aprendi que agressor e agredido se encontram no meio do caminho e que o limite da dor foi programado por nós mesmos. Assim, aprendi a confiar no processo de cada ser que passou pela minha vida.

Começamos com o foco no sofrimento.

Depois, passamos ao reconhecimento do amor próprio, o fortalecimento do centro do ser, a busca pelos benefícios individuais que podem ser extraídos de todos os tipos de práticas. Amar ao próximo como a si mesmo certamente passa por aqui.

Até que tudo começa a extravasar grandemente de nós. Chega um momento em que as células não comportam mais tanto amor e autocuidado. Eles passam a irradiar de nós por meio de palavras, de gestos e de intenções. Então transcendemos o humano. Ou será que é nesse momento que nos tornamos verdadeiramente humanos?

Seja qual for a resposta, é exatamente nesse momento em que crescemos em força e em coragem.  É exatamente nesse momento que nos sentimos capazes de produzir algo maior que nós mesmos... algo que, sem saber, já vínhamos produzindo.

Desde o princípio estávamos todos construindo catedrais.

A diferença é que agora sabemos disso.


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