Ouvi, uma vez, a
explicação de uma mulher árabe sobre o motivo pelo qual ela usava roupas largas
e cobria os cabelos para sair de casa.
Para a minha surpresa –
e, naquele momento, deixando de lado as minhas percepções acerca do condicionamento social
-, a resposta dela em nada se aproximou dos conceitos de limitação do universo
feminino ou de submissão.
Ela simplesmente disse
que guardava o seu melhor, a sua beleza e a sua completa exposição para quem partilhava
o mesmo teto que ela.
Essa inesperada
resposta reverberou profundamente e longamente em mim, trazendo à consciência a
incoerência entre a nossa postura dentro e a nossa postura fora de casa: são
completamente invertidas.
Sinto que, antes de
encarnarmos, escolhermos a dedo os aprendizados e os vínculos que teremos. Por
certo que as lições das quais não podemos fugir nos são apresentadas por meio
dos vínculos mais firmes, como os familiares.
Assim, ainda que
fisicamente afastados, permanecemos energeticamente vinculados ao grupo
familiar e aos aprendizados que ele reserva.
É em casa que
extravasamos. É em casa que transformamos as nossas frustrações em
comportamentos agressivos. É em casa que projetamos a nossa insegurança, a
nossa insatisfação e a nossa inconsciência. Isso porque, ainda assim, amanhã
eles estarão lá, prontos para mais um dia ao nosso lado.
Podemos passar a vida
assim, um alimentando o corpo de dor do outro.
Havia, para mim,
naquele momento, uma escolha e uma cura que deveriam ser feitas em vários
níveis.
A partir daquele dia,
então, eu escolhi me curar de mim mesma. Resolvi lançar mão de tudo o que
estava ao meu alcance para purificar a minha mente e aliviar o meu coração.
Decidi que eu passaria
a dar o melhor de mim para os meus companheiros de jornada mais próximos; que
eu não daria para ninguém fora, o que eu não fosse capaz de oferecer dentro do
meu núcleo. Assim, além de me propiciarem as minhas maiores e mais complexas
lições de vida (como assim se propuseram), os meus amados mais próximos também
receberiam a minha atenção, o meu tempo e a minha dedicação.
Continuei a usar o
velho pijama, mas, daquele dia em diante, passei a conter os meus primeiros
impulsos explosivos. Eu respirava e voltava ao centro antes de responder.
Também passei a conter
os meus impulsos de preguiça ou inércia e passei a agir antes de ser demandada,
passei a juntar antes que alguém se abaixasse, passei a guardar antes que
alguém o fizesse por mim.
O que parecia ser um
serviço ao outro, era, em verdade, um processo profundo de autoconhecimento.
Sair do modo reativo demandou muito autocontrole.
Mas toda essa mudança
criou um movimento que eu demorei muito (muito mesmo) para perceber: eu estava
criando abismos entre mim e as pessoas. Ninguém sabia de verdade como eu estava
me sentindo, nem mesmo eu. Eu apenas continha o impulso, sem senti-lo e sem me
responsabilizar por ele.
Enfrentar esse corpo
emocional não está sendo nada fácil.
Reconhecer o
sentimento que dispara cada impulso não está sendo fácil.
Aprender a sentir a
raiva, permitir que ela se expresse através das minhas células, que ela revire o meu estômago e feche a minha garganta, até escorrer pelos olhos.
Aprender a sentir
ciúmes, daquele que faz o corpo todo arder e me transforma em uma loba que
demarca o seu território e está disposta a brigar por ele, ao mesmo tempo em
que só deseja ser acolhida em um abraço e apoiada pelo olhar do homem que me
escolhe todos os dias.
Aprender a sentir
medo, deixar o coração disparar e a cabeça perder o rumo. Reencontrar, no
escuro, a linha que me sustenta no amor, na pureza e na confiança.
Ainda (e talvez para
sempre) em queda livre, um profundo mergulho dentro de mim, recolhendo cada
fragmento e reconhecendo cada traço de personalidade.
A cada dia, mais um passo em direção a um maior alinhamento entre o sentir, o pensar, o falar e o agir.
Hoje já consigo
reportar o meu estado emocional, sem que as pessoas precisem interpretar o meu
comportamento intranquilo ou o meu olhar distante.
O grande resultado foi que a honestidade comigo mesma trouxe o espaço de cura para
dentro do meu campo. Tornei-me plenamente capaz e plenamente responsável pela
minha purificação.
Que haja coragem para
seguir.
Que haja amor para
sustentar.
Que haja mãos para
segurar.
Que haja abraços para
confortar.
Que haja integridade
no caminhar.
Em silêncio,
Talita.
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