Minha mãe costuma dizer que eu fui o pior menino da casa. E olha que a família é grande.
Eu nunca fui uma criança ruim ou maldosa. Eu era apenas agitada. A quantidade de energia que eu recebia e irradiava era muito maior que eu.
Por segurança, eu fui muito podada. O mundo era perigoso demais. As pessoas não eram confiáveis.
Quando eu engravidei da Maria Júlia, eu já estava ciente de que a comunicação entre a mãe e o feto acontecia por diversos meios. Então, eu conversava com ela e passava o dia acariciando a barriga.
Ela nasceu. Ainda que todos a tratassem como um bebê, eu jamais o fiz. Eu sabia da grandiosidade daquela alma e eu a respeitava profundamente. Então, eu continuei a conversar com ela e a explicar tudo que estava acontecendo, tudo o que iríamos fazer.
Com o Felipe foi a mesma coisa.
Eu nunca usei de subterfúgios para fazê-los obedecer. Eu nunca os disse que ser obediente era requisito de bondade. Eu nunca coloquei em dúvida o merecimento, nunca os fiz duvidar da sua perfeição.
Então, aqui em casa, quem morre não vira estrelinha. Não é o Papai Noel que traz os presentes SE eles forem obedientes. Também não é o coelhinho que traz os ovos do tamanho do seu merecimento.
Somos eu e o papai - e conforme a nossa capacidade financeira no momento.
Jamais reputamos irrelevantes as suas dores, sejam elas quais forem - pois é exatamente isso que elas estão sentindo.
Jamais fazemos pouco caso das suas birras - pois estão apenas expressando a sua frustração.
Apenas oferecemos a elas o nosso tempo, o nosso colo e explicamos os motivos que nos levam ao "não". Quando é necessário um pouco mais de energia, o castigo é a redução da sua liberdade - o que é um combinado que eles já conhecem.
Tudo gira em torno de causa e consequência, de plantar o que deseja colher.
Nem sempre temos toda a paciência do mundo. Há dias em que estamos exauridos e explosivos, o que também é verbalizado, para que eles saibam e entendam que eles não são o nosso problema: hoje não estou em um dia bom, estou exausta e sem paciência.
Eu sempre tive esse cuidado. Com os meus filhos e com todas as crianças.
Eu jamais subestimei a capacidade de compreensão delas. Quem não as entendem somos nós.
O olhar da criança, a sua dependência, a sua impossibilidade de dar conta da própria vida, o fato de que o mundo que elas conhecerão partirá do nosso olhar; isso nos chama à responsabilidade. Isso me chama à responsabilidade.
É como se, ao fazer isso, eu estivesse acolhendo a mim mesma.
É um grito silencioso de liberdade: eu posso ser eu mesma e não há nada de errado com isso!
É dar colo ao meu próprio ser, que, agora, depende só de mim.
A minha criança, tantas e tantas vidas limitada, moldada, violentada, abandonada; acompanhou-me abraçada com todas as minhas dores, escondendo-as de mim mesma, para que eu, adulta, pudesse caminhar até aqui.
Forte na confiança em mim depositada pela minha criança, eu dou passagem à minha essência e, assim, dou permissão para que a essência de todos à minha volta se manifeste.
Apesar de pensarmos que crianças são bonsais, que podemos moldá-las e escolher para onde devem se direcionar, eu garanto que elas não são.
Suas raízes são profundas e cada uma crescerá à sua própria maneira, linda na liberdade de expressar as alegrias e as dores que carrega.
Cabe a nós ensiná-las a compreender os seus sentimentos, ensiná-las a usar as palavras e a verbalizar a sua raiva, ensiná-las que é seguro ser elas mesmas.
De joelhos, em reverência, eu as olharei os olhos.
Minhas grandes professoras de vida.
Brilhante, muito brilhante seu texto, por isso que admiro muito....
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