terça-feira, 28 de março de 2017

Tornamo-nos o verbo





Nós nos comunicamos o tempo todo. Será mesmo?


Falamos sobre o clima, sobre o trabalho, sobre o trânsito, sobre os filhos, sobre nós mesmos, sobre os outros. 


Reclamamos muito. Verbalizamos a autodepreciação. Colocamos quase toda a nossa energia no combate ao que discordamos – aqui somos verdadeiros oradores.


Esquecemos que o verbo é uma jóia.


A despeito do que efetivamente falamos, penso que nós formatamos as palavras conforme a nossa verdadeira intenção (que às vezes nós mesmos desconhecemos). Penso que a vontade fala mais alto que a ação em si.


Einstein dizia: “Somos um campo de energia. Só que visível.”


Mesmo que não vejamos, o que quer que seja que saia de nós em direção ao outro é energia: palavra, movimento, olhar, toque, pensamento.


A palavra que damos vida é energia vital em movimento – é o chi do Tao –, é uma ponte entre a matéria e o espírito, é o som que faz vibrar todas as células do nosso corpo, que reprograma o nosso DNA, que transforma as nossas moléculas de água.


Hoje acordei pensando na qualidade da nossa comunicação. 


Falamos muito em vez de falar o suficiente. Quantidade em vez de qualidade – a ponto de o silêncio ser considerado agressivo, até mesmo a imposição de uma penalidade.


Acabamos sendo verborrágicos, falamos sem prestar atenção, somos barulhentos. Calamos o coração, calamos a essência, calamos a nossa divindade para dar voz à superficialidade.


Raramente expomos com sinceridade o que desejamos expressar, tornando a comunicação um exaustivo exercício de interpretação. Acreditem, o outro é capaz de suportar o peso da nossa verdade e expressá-la é pressuposto de existência dos relacionamentos – sob pena de transformá-lo em um teatro e viver em constante atuação.


Criticamos com muito mais facilidade do que elogiamos, como se fosse necessário economizar positividade, como se não soubéssemos que a energia que emitimos determina a energia que receberemos. 


Ouvimos músicas depressivas, cheias de desesperança e sofrimento (por vezes mal compreendendo o que está sendo dito). Damos permissão para que a nossa emoção seja dirigida a partir do exterior.


Não, não temos cuidado com o verbo. 


Precisamos escolher com mais responsabilidade o que entra e o que sai do nosso campo de energia. 


Precisamos agir como se cada palavra que dizemos a alguém fosse a última: teríamos expressado o nosso mais verdadeiro sentimento nesta ocasião? Teríamos agido a partir do coração?


Esse é o princípio do Vak Shuddi, da purificação da linguagem, da reverberação das palavras. Não significa dizer coisas maravilhosas o tempo todo, mas dizer com verdade e compaixão o que quer que deva ser dito.


Ao conversar com alguém, traga à atenção a sua intenção, a sua mais profunda sinceridade, a sua mais pura autenticidade e saiba, caso nunca mais o veja, que entregou a ele o que de mais divino você tinha: a sua essência.


Verá que nessas conversas o coração vibra tanto, que até mesmo o corpo sai do controle, a voz embarga, as mãos tremem e os olhos dão vazão ao amor que as palavras não são totalmente capazes de exprimir.


Li uma vez que inferno é o momento no qual, logo após a morte, o eu que você se tornou encontra o eu que você poderia ter sido (o seu potencial máximo como ser humano).


Não deixe para amanhã. Seja, hoje, a pessoa que pode partir da Terra e, no espelho, enxergar o seu potencial máximo como ser humano.


Conecte-se consigo mesmo e, então, conecte-se com o outro.


A responsabilidade com o verbo é parte da sua própria cura.

sexta-feira, 24 de março de 2017

O que é, então, superficialidade?





 
Existe, em mim, uma dificuldade gigantesca de me apegar a conceitos. Eu aprendo tudo com muita velocidade, mas, da mesma forma, apago as informações à medida que não mais preciso utilizá-las.

O mais absoluto desinteresse em conceitos faz com que eu não tenha certezas absolutas e, na grande maioria das vezes, impede que eu me posicione em relação às divergências – confesso, não raro acho que ambos os lados têm ótimos argumentos.

Por muito tempo eu me calei ou me senti ignorante, porque, para opinar sem ser considerada uma hipócrita intelectual, era necessário que eu conhecesse profundamente todas as teses e pesquisas sobre o assunto.

Isso me incomodou por muito tempo. Eu me sentia superficial e, algumas vezes, até mesmo ignorante.

Até que eu percebi: nenhum dos conflitos é, de fato, profundo o suficiente. São rasos. Pura alegoria. Pura distração.

Discussões, disputas e certezas absolutas. Polarização. Dualidade. Segregação.

Mas no meio disso, no profundo silêncio do ser, somos todos filhos da terra e estamos de mãos dadas. Essa é a verdade e ela simplesmente não precisa de defesa.

Por que, então, insistimos em nos conectar ao externo com tanto afinco, com tanta determinação? Por que preferimos voltar a nossa atenção à defesa de certezas que sequer sabemos verdadeiras?

Penso que seja por medo de ver o que eu sempre vi: o vazio que é só meu, que só eu acesso, que só a mim serve.

Hoje eu sou grata por não ter a capacidade de me envolver emocionalmente, nem energeticamente, com a grande maioria das situações que acontecem.

Não escolher um lado para defender permite que eu me coloque na posição das partes sem envolvimento e consiga compreender os pontos de vista, respeitar os níveis de consciência e encontrar algumas lições disponíveis naquele aprendizado.

Sou a coluna do meio do jogo do bicho e – hoje sei - isso não significa que eu seja ignorante. Significa, apenas, que eu dissolvo a barreira densa das discussões e me posiciono no centro, como um ímã, servindo de âncora à luz, colocando o coração a serviço e trazendo equilíbrio às polarizações.

Talvez por isso eu tenha nascido com uma facilidade imensa de conciliação, harmonização, agregação, unificação.

Mais que isso, não focar no externo faz com que, obrigatoriamente, eu vá ao encontro do meu sentir e esse é o meu caminho, o meu aprendizado.

Deixar de lado a racionalização e imergir nas emoções.

Deixar de lado o barulho e encontrar o vazio que busca preenchimento.

Deixar de lado as expectativas alheias. Deixar de lado as opiniões. Deixar de lado as certezas. Deixar de lado a necessidade de agradar, de ser suficiente, de sentir reciprocidade.

Então, não, eu não vou ler mil teses. 

Vou, apenas, me conectar com o vazio: espaço em que, buscando a mim, encontro você, pois ele é a fusão do todo em cada um de nós.

Esse é o centro.

O resto é enredo.

 

quarta-feira, 8 de março de 2017

Eu mulher.






A minha percepção sobre o significado de ser mulher tem mudado bastante ao longo dos anos.


Hoje é tão claro para mim: nenhuma polaridade existe sozinha. Sou boa e má. Sou luz e sombra. Sou júbilo e dor. Também sou energia masculina e feminina.


Biologicamente mulher, mas, confesso, energeticamente, o masculino acaba preponderando na maior parte do tempo.


Sim, eu permito que o meu corpo se movimente de maneira natural: não tomo anticoncepcional há anos, observo os meus ciclos e a influência lunar, tenho contato com a terra, acolho e aconselho, cozinho, faço trabalhos domésticos, choro, exponho a minha vulnerabilidade sem a menor vergonha.


Mas, como boa sagitariana e com o número “1” bem grande no mapa numerológico, sou bastante independente e autossuficiente. Eu amo dirigir e, modéstia a parte, dirijo muito bem. Eu me adapto a qualquer ambiente e a qualquer assunto, sem, em nenhum momento, me sentir subjugada ou fragilizada. Eu tomo iniciativa. Eu tenho urgências urgentíssimas. Eu sou um “big bang” ambulante.


Percebo, em mim – e com bastante clareza –, o divino encontro dela e dele. Yin e Yang. Da criação e da materialização. Do sonho e do fazer acontecer. Do gestar e do desenvolver.


Não desmerecendo toda a luta, não esquecendo toda a dor, não desconsiderando toda a discriminação já sofrida, penso que chegou o tempo de olharmos em outra direção.


Sinto que estamos em um momento em que a biologia não deve se sobrepor ao ser.


Sinto que estamos em um momento em que precisamos parar de gritar. Precisamos, sim, nos interiorizar, para que possamos encontrar o centro de toda essa dor, de todo esse desequilíbrio, de todas essas feridas.


Sinto que estamos em um momento em que devemos considerar o fato de que estamos mulheres, mas, certamente, já pisamos este chão com outras configurações biológicas. Já imaginaram que podemos ter causado as dores que, hoje, combatemos? Será que não desejamos estar em um corpo de mulher para sentir, afagar e curar todos esses traumas de dentro para fora?


Sinto que estamos em um momento em que nos é possível despertar para a integralidade do nosso ser. Não como mulher ou homem, mas como a linda simbiose entre masculino e feminino, cuja união e cujo equilíbrio nos abrem novas portas.


Sim, eu reverencio a mulher a mim. Reverencio Shakti. Reverencio a energia e o magnetismo que me sustentam. Reverencio a oportunidade de estar aqui com este corpo, tendo acesso a essa infinidade de estímulos. Reverencio essa força descomunal que me move. Reverencio os meus dons e potencialidades.

Mas também reverencio os homens e a energia feminina que reside em cada um deles, pacientemente pedindo passagem, pedindo verbalização, pedindo conexão.


Hoje eu reforço o compromisso com a cura desta mulher que eu vejo no espelho, voltando os meus olhos e ouvidos para dentro. Prometo me colocar em primeiro lugar. Prometo não me despedaçar. Prometo ser transparente nas minhas relações, permitindo ao outro que esteja ciente dos meus processos. Prometo não me responsabilizar pela vida dos outros, carregando pesos que não me competem. 


Lembrem-se: de nada adianta receber flores, se nós mesmas não pudermos florescer de dentro para fora.


Nada que venha de fora nos preencherá. Enquanto o movimento não for interno, os nossos gritos continuarão ecoando no vazio.